30 março 2006

"A Metafísica da Paisagem: Teixeira de Pascoaes"

A história da poesia está cheia de reconhecimentos tardios. Nem sequer é pois excepção que a Teixeira de Pascoaes tenha cabido a sorte de permanecer, durante quase toda a sua vida, ignorado da maioria dos seus contemporâneos, à excepção daqueles núcleos que, em sucessivas gerações, sempre souberam reconhecer nele um dos maiores poetas portugueses. Já ele era velhinho quando a fama acabou por lhe bafejar o nome. Mas a sua poesia quase não contribuiu para tal. Deveu-a sobretudo ao seu livro em prosa S. Paulo; as suas obras poéticas continuaram a ter tão pouca procura como antes, a sua poesia tão pouco eco como até aí; permaneceu um poeta "para os raros apenas", como diria o seu muito famoso contemporâneo Eugénio de Castro.
A verdade é porém que nenhum reconhecimento público poderá dar à sua poesia aquilo que ela, na sua totalidade, recusa a qualquer maioria; ele é, de facto, um poeta impopularizável a todos os títulos; o seu nome acabou por ser famoso - e talvez nem tanto... Mas a sua obra continuará desconhecida, devido àquilo mesmo que nela é essencial.

(Adolfo Casais Monteiro, A Metafísica da Paisagem: Teixeira de Pascoaes. Incluído em A Poesia Portuguesa Contemporânea, Sá da Costa, 1977)

Teixeira de Pascoaes ( 3 poemas / 5 décadas )

ANTIGA DOR

O subtil, o reflexo, o vago, o indefinido,
Tudo o que o nosso olhar só vê por um momento
Tudo o que fica na Distância diluído,
Como num coração a voz do sentimento.
Tudo o que vive no lugar onde termina
Um amor, uma luz, uma canção, um grito,
A última onda duma fonte cristalina,
A última nebulosa etérea do Infinito...
Esse país aonde tudo principia
A ser névoa, a ser sombra ou vaga claridade,
Onde a noite se muda em clara luz do dia,
Onde o amor começa a ser saudade;
O longínquo lugar aonde o que é real
Principia a ser sonho, esperança, ilusão;
O lugar onde nasce a aurora do Ideal
E aonde a luz começa a ser escuridão...
A última fronteira, o último horizonte,
Onde a Essência aparece e a Forma terminou...
O sítio onde se muda a natureza inteira
Nessa infinita Luz que a mim me deslumbrou!...
O indefinido, a sombra, a nuvem, o apagado,
O limite da luz, o termo dum amor,
Tornou o meu olhar saudoso e magoado,
Na minha vida foi minha primeira dor...
Mas hoje, que o segredo oculto da Existência,
Num momento de luz, o soube desvendar,
Depois que pude ver das cousas a essência
E a sua eterna luz chegou ao meu olhar,
Meu infinito amor é a Alma universal,
Essa nuvem primeira, essa sombra d'outrora...
O Bem que tenho hoje é o meu amigo Mal,
A minha antiga noite é hoje a minha aurora!...


(de Sempre, 1898/1902)



V

O poeta é um doido errando sempre além,
Que d'este mundo, em vida, se desterra...
É o ser divino e pálido que tem
Na alma toda a luz, no corpo toda a terra.


(de Cantos Indecisos, 1921)



PARAÍSOS

Temos dois paraísos: o da infância
E o da velhice;
O da flor e o do fruto,
O da loucura e o da razão.
O Jardim e o Pomar,
A Primavera, Deusa helénica,
O Outuno, Deus da Ibéria.
O resto é Inverno até à Gronelândia
E Verão até ao Cabo.


(de Últimos Versos, 1952)

28 março 2006

Poeta quer dizer Possesso

Poeta quer dizer Possesso. Não devemos confundir os artistas do verso com os criadores de Poesia. Os primeiros interessam apenas à Literatura, ao passo que os segundos têm um interesse vital e universal, como uma flor ou uma estrela.

Teixeira de Pascoaes (1877-1952)
Aforismos

Apostila de Penitência e Aceitação

Irmã
Pelos símbolos mais obcuros da tradição cabalística entrou nos jardins do convento.
Venceu os anjos crepitantes que ardiam na fogueira do mal.
E, se está disposta a beijar o sapo da transformação, é a mim que o fará. Não por ser deusa mas por ser água, fonte crepuscular dum eclipse lunar.
Pela "coincidentia contrariorum" purificou a imagem que temos de Deus e dessa luz que prolonga o fogo do pensamento.
Bebeu o primeiro néctar da imortalidade e as portas do convento abrem-se para a saudar.
No círculo espiritual aperfeiçoou a unidade do tempo e do espaço amoroso.
Ao canto da felicidade reencontrada, juntará na mesma taça a vitória da alma e o mosto da vossa peregrinação.
Por todas as chagas na ponta do seus dedos em delírios de teclas, por todos os rasgões fashion nas vestes da viagem, por todas as marcas indeléveis da purificação, Irmã, seja bem vinda. Nema.

23 março 2006

7- Libertar a pomba da serenidade

6- Contemplar a órbita celeste

5- Adorar os tectos divinos

4- Apagar os fogos da paixão

3- Beijar o sapo da transformação

2- Vencer os sete guardas da alma

1- Atravessar a morte incorrupta

22 março 2006

Posta Restante




Minha cara Irmã Nanaarella da Recolhida Caridade

Muito lhe agradeço as suas boas palavras e o desejo comovido de se reunir à minha solidão. Na situação deplorável em que me encontro, nada é mais precioso do que poder contar com a sua vinda na esperança de podermos reanimar de novo o convento. Porém, cara Irmã, há sete provas que terá de ultrapassar para finalmente cair nos braços da sua fogosa vocação.
Como poderá observar pela foto, depois de ter vendido as magníficas paletas duma das irmãs fugitivas, tive de recorrer às ramblas para ganhar a vida. Veja, Irmã, esta sou eu disfarçada de músico de Flamenco, com o Malaquias, o cão cantor que me acompanha cegamente com os seus uivos dignos de um verdadeiro tenor.
Por tudo isto, Irmã Nannarella, rogo-lhe que venha e se prepare para as sete provações que de seguida enuncio. A todas elas terá que dar resposta adequada (assim o exige o venerável Santo Marketting). Contudo, estou convicta de que pelas qualidades amplamente demonstradas nas suas abreviaturas iluminadas, não terá dificuldades em encontrar o melhor caminho e juntar-se, vitoriosa, a esta alma penada que se assina,

Irmã Ventania dos Bons Ventos

21 março 2006

Dia Mundial da Poesia e outros

A quem faz pão ou poema
só se muda o jeito à mão

e não o tema.

Prof. Agostinho da Silva

20 março 2006

Das novas vocações femininas

"Freiras usam tácticas picantes para cativar nova vocações femininas na internet"

"És fogosa? Apaixonadiça? Vistosa? Animada?" são algumas das perguntas do site. Confrontada com uma queda significativa do número de vocações, uma congregação de freiras de Barcelona apostou nas novas tecnologias e lançou-se na internet, procurando com humor, e algum "picante", aliciar novas devotas.
Trata-se de uma campanha de marketing religioso que se evidencia logo na página de introdução (www.mivocacion.com), onde as irmãs da Caridade Dominicana da Apresentação da Santíssima Virgem questionam deste modo quem a visita: "Atreveste-te a entrar?"
Depois sucedem-se as perguntas directas e pouco habituais numa página religiosa, mas que pretende, segundo a autora do site, a irmã Gemma Morató, quebrar os "estereótipos que se fazem das freiras e das congregações religiosas".
"És fogosa? Apaixonadiça? Vistosa? Animada? Conheces bem o mundo e a vida? Talvez sejas a freira perfeita", lê-se na página da congregação, criada em França em 1696.
"Se assim é - diz-se a seguir -, podes ajudar os homens e as mulheres deste mundo. E não serás a primeira: Santa Maria Madalena, sem ir mais longe, também foi uma fogosa como tu".
Ao som de uma música misteriosa e austera, e decorada com quadros "exclusivos" da irmã Marie Séraphie, a página tenta aliciar mulheres devotas, perguntando-lhes se "gostam de sonhar", se são lutadoras ou se gostam de rezar".

(Artigo publicado no Metro, 16 de Março de 2006)

---------------------------------------------------


Não queria acreditar no que os meus olhos liam! Vacilei entre o riso efervescente duma piada genial e o choro convulsivo duma criança a quem trocaram a chucha. Então não querem lá ver que afinal reuno as condições de admissão ao retiro disponível das Irmãs da Caridade Dominicana da Apresentação da Santíssima Virgem? Que me perdoe o Almodóvar se lhe faço referência a um dos seus filmes mais extravagantes "Negros Hábitos", mas é impossível não fazer analogias com o dito cujo.
Ó sacrilégios colegiais! Ó modelos do matrimónio não consumado! Ó memórias do deleite da carne! Ó permissivas irmãs da caridade alucinogénia! Ó histórias de cordel escritas à socapa em dossel de pau! Ó sobrevivência divina a quanto obrigas! Quem diria que um dia um apêndice da igreja iria usar as novas tecnologias para vender ilusões? Para promover as mulheres ao mais alto cargo eclesiástico? Sentarem-se na poltrona vermelha do Papa na Apresentação à Santíssima Virgem? Já não lhes bastam os postalecos com bocadinhos de tecido do manto virginal? Ou um punhado de terra santa incrustado numa cruz? Ou as velas maceradas de tanta cera chorada? Caímos na tentação de dizer: Ai Jesus! Perdoai-lhes porque elas não sabem o que fazem! Contudo, fiz apenas um esgar em forma de sorriso sardónico. E disse de mim para mim: De facto, é mesmo disto que estou a precisar. De um fogo apaixonadiço numa vistosa animação da alma. Vou inscrever-me!

(3 meses depois, a noviça promovida escreve no seu diário)

Estou só no convento e desesperada. O padre Allonso, nosso capelão, sucumbiu nos braços da minha fogosidade. As duas irmãs que espiavam por detrás da porta, asfixiaram de tante volúpia. A madre superiora ao ver semelhante animação e roída de ciúmes meus, despiu o hábito às portas do convento. As outras irmãs seguiram-lhe os passos, atordoadas pela visão da sua nudez demoníaca. Resto eu. Abandonada por todos. Para sobreviver não terei outro remédio senão leiloar os quadros da irmã Marie Séraphie e tentar manter a postura da eleita aos olhos do Santo Marketing. Vou até à adega preparar um bocadilho da última fornada da irmã Pietá e ver se sobrou alguma cidra do jantar de ontem para afogar as mágoas da minha vocação.

17 março 2006

Árvore Genealógica (para adultos)

Pai: Poder Mãe: Soberba
* *
* *
* *
Filhos:

Tio Patinhas (solteirão) e Peter Pan (casado com a OPA Millennium)
* *
* *
* *

Filhos:

3 porquinhos


Nota: Hug$nho, Zéz$nho e Luiz$inho nasceram na Bairrada e cedo padeceram no espeto.

Árvore Genealógica (para crianças)

Foi por aqui que eu nasci?
Bolas, sempre pensei que tivesse vindo ao mundo trazida no bico de uma cegonha branca!

16 março 2006

A E I U O

Vogais

A, negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Hei-de um dia cantar vossa origem latente:
A, negro de um veludo onde o enxame fervente
Das moscas diga a podridrão, sombras letais;

E, tendas a alvejar, a névoa lactescente,
Brancos reis sobre a neve e lanceiros irreais;
I, sangue aos borbotões, riso em lábios mortais,
O vermelho da raiva ou de uma dor pungente;

U, vibração do mar nos verdes horizontes,
Paz dos pastos sem fim, paz das rugas nas frontes
Dos que sondam da ciência os íntimos refolhos;

O, supremo clarão em que estridulam brados,
E o silêncio em que passa um anjo, Aléns povoados,
_O, o Ómega, essa luz violeta dos seus Olhos!


Jean-Arthur Rimbaud (Mesa de Amigos)

15 março 2006

Puzzle do efémero

14 março 2006

FERIDA que não CALO

13 março 2006

Vertigem

Parecem películas caídas das nuvens, negativos de um filme antigo. Filtros para o olhar ou até uma chuva de prata. Uma fotografia em trabalho de restauro ou apenas uma ameaça de nevoeiro. São apenas reflexos de uma luz que morre num fim de tarde em plena serra. A atmosfera oscila entre o branco e o cinzento, o azul e o prata numa espécie de vertigem
ao contrário. Olhar para cima e ter a sensação de esvaimento e de vazio. Perder, de súbito, o equilíbrio do pensamento em vez do corpo. E, ao retomar a consciência do lugar, olhar para baixo e ver que o casario ao longe já adormeceu, iluminado apenas pelo espelho de água que a luz guardou.

10 março 2006

Estes campos que ladeiam a estrada nacional entre Estremoz e Portalegre arderam?
Não. Mas nem por isso deixam de ser campos de incêndio. Protejo-os aqui para a memória não ser traída pelas labaredas. Que os incendiários da loucura não se abatam sobre os frágeis regadios, nem sobre o tojo violáceo da nossa inocência perdida. Que os animais aninhados em sulcos na terra ou esvoaçando na aragem seca do azul encontrem um refúgio a tempo do nosso tempo. Que a quietude não se deixe enganar pelas sirenes do assombro e que uma língua imensa lamba de dentro para fora estes corpos sedentos.

Campos de incêndio

Campo Maior (Alentejo)

Nesta pequena vila alentejana no interior profundo do país, as portadas das casas servem de janelas abertas sobre o mundo. Na cal seca de prantos antigos, as vizinhas saem pela manhã sem se preocuparem em trancar o ferrolho ou bloquear a intimidade a olhos alheios. Esvoaçam no vento para ir ao mercado ou caminham displicentes nas ruelas exíguas. Tudo parece inquietantemente parado e, contudo, há uma vida por contar em cada uma dessas chitas riscadas na paisagem. Cada uma transporta um passado mais ou menos colorido na secura dos lábios. E todas clamam por o mar que à distância entorna, do outro lado, a sua azul e esverdeada tinta para adornar as portadas adormecidas pelo sol. São as ventanias da alma.

Ventanias ou alma dupla


08 março 2006

8 de Março 2006 - Dia Internacional da Mulher

Conseguem ler-me? Não? Ainda bem. Este blog não é para míopes!