20 março 2006

Das novas vocações femininas

"Freiras usam tácticas picantes para cativar nova vocações femininas na internet"

"És fogosa? Apaixonadiça? Vistosa? Animada?" são algumas das perguntas do site. Confrontada com uma queda significativa do número de vocações, uma congregação de freiras de Barcelona apostou nas novas tecnologias e lançou-se na internet, procurando com humor, e algum "picante", aliciar novas devotas.
Trata-se de uma campanha de marketing religioso que se evidencia logo na página de introdução (www.mivocacion.com), onde as irmãs da Caridade Dominicana da Apresentação da Santíssima Virgem questionam deste modo quem a visita: "Atreveste-te a entrar?"
Depois sucedem-se as perguntas directas e pouco habituais numa página religiosa, mas que pretende, segundo a autora do site, a irmã Gemma Morató, quebrar os "estereótipos que se fazem das freiras e das congregações religiosas".
"És fogosa? Apaixonadiça? Vistosa? Animada? Conheces bem o mundo e a vida? Talvez sejas a freira perfeita", lê-se na página da congregação, criada em França em 1696.
"Se assim é - diz-se a seguir -, podes ajudar os homens e as mulheres deste mundo. E não serás a primeira: Santa Maria Madalena, sem ir mais longe, também foi uma fogosa como tu".
Ao som de uma música misteriosa e austera, e decorada com quadros "exclusivos" da irmã Marie Séraphie, a página tenta aliciar mulheres devotas, perguntando-lhes se "gostam de sonhar", se são lutadoras ou se gostam de rezar".

(Artigo publicado no Metro, 16 de Março de 2006)

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Não queria acreditar no que os meus olhos liam! Vacilei entre o riso efervescente duma piada genial e o choro convulsivo duma criança a quem trocaram a chucha. Então não querem lá ver que afinal reuno as condições de admissão ao retiro disponível das Irmãs da Caridade Dominicana da Apresentação da Santíssima Virgem? Que me perdoe o Almodóvar se lhe faço referência a um dos seus filmes mais extravagantes "Negros Hábitos", mas é impossível não fazer analogias com o dito cujo.
Ó sacrilégios colegiais! Ó modelos do matrimónio não consumado! Ó memórias do deleite da carne! Ó permissivas irmãs da caridade alucinogénia! Ó histórias de cordel escritas à socapa em dossel de pau! Ó sobrevivência divina a quanto obrigas! Quem diria que um dia um apêndice da igreja iria usar as novas tecnologias para vender ilusões? Para promover as mulheres ao mais alto cargo eclesiástico? Sentarem-se na poltrona vermelha do Papa na Apresentação à Santíssima Virgem? Já não lhes bastam os postalecos com bocadinhos de tecido do manto virginal? Ou um punhado de terra santa incrustado numa cruz? Ou as velas maceradas de tanta cera chorada? Caímos na tentação de dizer: Ai Jesus! Perdoai-lhes porque elas não sabem o que fazem! Contudo, fiz apenas um esgar em forma de sorriso sardónico. E disse de mim para mim: De facto, é mesmo disto que estou a precisar. De um fogo apaixonadiço numa vistosa animação da alma. Vou inscrever-me!

(3 meses depois, a noviça promovida escreve no seu diário)

Estou só no convento e desesperada. O padre Allonso, nosso capelão, sucumbiu nos braços da minha fogosidade. As duas irmãs que espiavam por detrás da porta, asfixiaram de tante volúpia. A madre superiora ao ver semelhante animação e roída de ciúmes meus, despiu o hábito às portas do convento. As outras irmãs seguiram-lhe os passos, atordoadas pela visão da sua nudez demoníaca. Resto eu. Abandonada por todos. Para sobreviver não terei outro remédio senão leiloar os quadros da irmã Marie Séraphie e tentar manter a postura da eleita aos olhos do Santo Marketing. Vou até à adega preparar um bocadilho da última fornada da irmã Pietá e ver se sobrou alguma cidra do jantar de ontem para afogar as mágoas da minha vocação.