17 abril 2006

Não existe pecado ao sul do Equador


Não existe pecado ao sul do Equador

Chico Buarque de Hollanda - Ruy Guerra/1972-1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra


(Agradecimentos à dedicada amiga Virgínia Nogueira Holland)


Não existe pecado do lado de baixo do Equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo o vapor
(Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor)*
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor

Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Saraparel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza
Não pode esperar
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar

Não existe pecado do lado de baixo do Equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado a todo o vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é missão de esculacho, olha aí, sai de baixo
Eu sou embaixador


*versos originais vetados pela censura

12 abril 2006

Para a Margarida - As caminhadas do olhar têm um rio, barcos e casas no lugar das palavras

Sobre a minha cidade


sobre a minha cidade, falei-te ontem, mostrei-te
as esquinas do tempo, a imagem de fachadas
que ainda conheci, de outras que
eu próprio ignorava; sobre

a minha cidade e suas pedras, seus espeços
de árvores graves; e o que foi arrasado,
ou está a desfazer-se; as manchas do presente, a
poluição dos homens; e o que foi

violentamente arrancado por negócios sucessivos,
erros, brutalidades: o que era e o que foi
o que é dentro de mim o seu obscuro,
imaginário ser: costumes e conflitos,

maneiras de falar, a gente
e a confusão das ruas, as casas do barredo;
sobre a minha cidade achei que tu
tiveste gratidão, a viste.

que percorreste as pontes que a minha
cidade a ti me trazem, entre
gaivotas alastrando e músicas diferentes,
e foste nascer nela.



VASCO GRAÇA MOURA

O POETA E A CIDADE
Organização: Eugénio de Andrade
CAMPO DAS LETRAS - Editores, S.A. Porto, 1996

13 fotografias e 1 poema sobre o Porto















(fotografias tiradas no Porto, Março 2006)

07 abril 2006

Sem título




Sombras rosas sombras

Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra


Ingeborg Bachmann
O tempo aprazado

05 abril 2006

Sem título




Coloca uma palavra
no vale da minha nudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.


Ingeborg Bachmann (1926-1973)
O tempo aprazado

03 abril 2006

Amadeo de Souza-Cardoso

A ânsia de originalidade

Amadeo de Souza-Cardoso foi o primeiro pintor português a participar na vanguarda internacional do seu tempo, talvez aquele que realizou os primeiros quadros abstracto-geométricos de raiz cubista. A comparação da sua obra com a de outros com quem conviveu revela semelhanças e diferenças dignas de reflexão. Tal como Modigliani, compreendeu que as duas tendências modernistas mais importantes eram o Cubismo e o Expressionismo, uma quanto à nova concepção de forma-espaço, a outra quanto à cor. Amadeo alcançou uma notável conjugação do máximo de energia das cores com o máximo de energia das formas, ultrapassando as ortodoxias tanto do Expressionismo quanto do Cubismo.

Rui-Mário Gonçalves
(Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX, nº 17, Março 2006)

Amadeo de Souza-Cardoso - A ânsia de originalidade

Pintura
c. 1917, óleo sobre tela
Centro de Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal

(Adivinhem o título deste)
c. 1911, óleo sobre tela
The Art Institute of Chicago
Chicago, E.U.A.

Entrada
c. 1917, óleo sobre tela com colagem
Centro de Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal

Menina dos Cravos
c. 1913, óleo sobre madeira
Museu do Caramulo
Caramulo, Portugal

Cabeça
c. 1913, óleo sobre tela
Centro de Arte Moderna
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal