12 abril 2006

Para a Margarida - As caminhadas do olhar têm um rio, barcos e casas no lugar das palavras

Sobre a minha cidade


sobre a minha cidade, falei-te ontem, mostrei-te
as esquinas do tempo, a imagem de fachadas
que ainda conheci, de outras que
eu próprio ignorava; sobre

a minha cidade e suas pedras, seus espeços
de árvores graves; e o que foi arrasado,
ou está a desfazer-se; as manchas do presente, a
poluição dos homens; e o que foi

violentamente arrancado por negócios sucessivos,
erros, brutalidades: o que era e o que foi
o que é dentro de mim o seu obscuro,
imaginário ser: costumes e conflitos,

maneiras de falar, a gente
e a confusão das ruas, as casas do barredo;
sobre a minha cidade achei que tu
tiveste gratidão, a viste.

que percorreste as pontes que a minha
cidade a ti me trazem, entre
gaivotas alastrando e músicas diferentes,
e foste nascer nela.



VASCO GRAÇA MOURA

O POETA E A CIDADE
Organização: Eugénio de Andrade
CAMPO DAS LETRAS - Editores, S.A. Porto, 1996